Não posso deixar de relatar a experiência de ontem, primeiro dia de intervenção em uma escola básica de Diamantina, onde busco fazer um trabalho de “inclusão digital” na modalidade de extensão universitária. Por isso, peço desculpa pelo desvio no estilo da escrita e pela temática que sai da teoria… e recai na prática (e isso é ótimo na minha opinião).

É muito legal estar podendo fazer algo que pode vir a transformar a prática pedagógica de alguém. Quando passei para professor aqui na UFVJM (junho/2009), logo em seguida veio o questionamento: “ – E agora, onde agora eu vou executar meu plano de pesquisa e extensão?!”. Precisava de um grupo de professores(as) – obviamente de uma escola também! – e de computadores… No primeiro semestre de 2010, uma aluna revelou-me trabalhar em uma escola de um bairro muito carente aqui da Cidade. Disse também que um trabalho como o que eu fazia em sala de aula seria muito útil lá. Fiquei de amadurecer a ideia… e amadureci. Um ano depois da aprovação no concurso e já com sete meses de exercício, visitei a escola indicada. Para minha surpresa, no dia da visita estavam chegando 10 computadores novinhos do PROINFO (Programa Nacional de Tecnologia Educacional). Coincidência? Perguntei para a diretora: “ – Os computadores são acompanhados de algum programa de formação docente?”. A resposta veio rápida: “ – Não! Não sabemos o que vamos fazer!”. Eu retribuí imediatamente com um: “ – Muito prazer, sou professor de informática!”.

Em destaque a escola onde se realiza a interação com os professores no projeto de Extensão. Fonte: Google Maps

Começou ali. Marcamos um dia para eu conhecer a equipe de professores(as), isso no último dia de aula de julho. Fechamos na reunião um processo de intervenção com vistas à inclusão digital (não gosto do termo “capacitação” e muito menos do termo “treinamento”, pois acredito que todo mundo é capaz e que treinamento é coisa para domesticador, definitivamente: não é meu caso). Dali até a volta às aulas foi elaborar o projeto oficial e submetê-lo ao trânsito interno da Universidade.

Antes de continuar o relato, acho importante ressaltar o sentido de “inclusão digital”, que supera o simples contato com as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Se a premissa básica é realmente poder contar com tais tecnologias (daí a minha preocupação inicial em 2009), isso não encerra o assunto. Como o grupo de trabalho é formado de professores que irão multiplicar o conhecimento e o processo de inclusão, o assunto é ainda mais delicado. Acredito que incluir digitalmente recaia na questão da melhoria da qualidade de vida. Ou seja: ter domínio e fazer o uso consciente das tecnologias digitais de forma a transformar – para melhor – as atividades. Além disso, é indispensável ajudar a desenvolver a segurança e incentivar a a autonomia dos sujeitos para o uso das TICs. Existem outras questões, mas creio que assim o sonho de uma possível cidadania digital começa a ser vislumbrado.

Ontem foi o primeiro dia. Passamos boa parte da tarde debatendo questões que envolvem o universo digital, a cibercultura, a docência , o passado/presente da (micro)informática. Como os computadores vem equipados com Linux Educacional, não faltou a famosa frase: “ – Mas tem que ser com o Linux?!”. Para o início da conversa, foi ótima a pergunta. Percorremos toda a questão da evolução do hardware e do software, dos personagens envolvidos (Bill Gates, Steve Jobs, Linus Towards – entre outros), abordamos pirataria, software livre e concluímos estabelecendo os conceitos de software básico e aplicativo. Ao compreender a questão sobre o custo envolvido no pagamento de patentes aos softwares proprietários, a situação mudou significativamente. Não é de se estranhar o fato. Trata-se de profissionais maduros(as) de uma escola pública, que entre o inúmeros problemas típicos da realidade escolar, convivem também com a responsabilidade e o zelo pelo bem público, patrimônio de todos nós.

Não sou contra o software proprietário. Em absoluto. Gosto muito das ferramentas da Microsoft e fui iniciado no mundo dos computadores com elas (inclusive tenho uma versão do Windows legalizada). Sonho, um dia, ter recursos para possuir um Mac e conhecer um novo mundo digital (e quem não possui?). Entretanto, tenho a consciência do que tenho de fazer como educador de uma Universidade pública: estimular o uso do software que é livre e que não cobra patentes. Nesse sentido, recordo de uma experiência que tive em uma escola particular. Existia uma parceria entre a escola e a Microsoft em seu laboratório de informática. Estavam licenciados o sistema operacional (Windows XP), o pacote Office e uma série de ferramentas de desenvolvimento. Ótimo, não é mesmo? Entretanto, as condições de uso das ferramentas toliam a liberdade de professores e alunos. Não sei se por exigência da Parceira norte americana ou imposição dos gestores, não se podia ter software algum que não fosse da referida parceira. Ou seja: não era permitido se instalar e explorar quaisquer ferramentas de software como APACHE, MySQL, PHP etc, todos em evidência no mercado e de grande valia aos estudantes de computação. Ótimo para o gestores e péssimo para os verdadeiros interessados: professores e alunos. Seria essa uma postura compatível com a educação?

Termino esse post com dois momentos. Um triste e outro que ninguém no mundo tira o prazer e a felicidade geradas. O triste foi que na saída a secretária da escola, que também usa o Linux e o BR-Office, me pediu para ver um documento que estava desconfigurado. Ele havia chegado via e-mail de uma instância superior. Ao constatar o formato do arquivo, vi que ele estava em DOC, ou seja, formato proprietário. Será que essa instância superior (que também é um órgão público) pagou pelo licenciamento do produto? Se positivo, não seria mais ético, que ao enviar um documento para ser preenchido digitalmente ele seguisse em um formato aberto (ODF – Open Document Format)? Fica a reflexão. O momento feliz foi o de ver a alegria das pessoas em estar tendo a oportunidade de conversar, compreender e ter a chace de utilizar um microcomputador em sua prática pedagógica. Pode ter certeza: o brilho nos olhos e os sorrisos não faltaram. E o melhor: sem ter de pagar patentes.

Um abraço digital e até a próxima.

P.S.: esse texto foi escrito utilizando o BR-Office.


Para ir conhecer mais:

Suite gratuita de aplicativos em português (editor de textos, planilha, editor gráfico, banco de dados): http://www.broffice.org/

Ubuntu (“Linux para seres humanos”):  http://www.ubuntu-br.org/

Linux Educacional: http://linuxeducacional.com/

comentários
  1. Fernando disse:

    Software pago ou software livre? Difícil escolha. Difícil é, inclusive tomar uma posição em relação a isso. Porque? Porque não se deve tomar posição nenhuma em relação a isso. Existem ótimos softwares pagos e ótimos softwares gratuitos. Cada um tem sua aplicação. Tomar partido quanto utilizar software livre ou pago é como escolher entre ser vegetariano ou não. Uma coisa é notória: o crescimento(quantidade e qualidade) do “mercado” de software livre. Mas, infelizmente este mas se faz necessário, a qualidade do software pago é bem superior. Vamos dar alguns exemplos: O Linux melhorou bastante, mas, chegou ao nível Windows 7? Existe algum programa para edição de imagem que se compare ao Photoshop? Existe algum programa para modelagem 3d que tenha tanta qualidade quanto o 3D MAX ou 3D STUDIO? Os jogos gratuitos divertem tanto quanto os pagos? Em relação à navegadores, este problema já foi extinto. Temos ótimos navegadores gratuitos. Temos um gigante que trabalha à nosso favor. O Google. Tudo desenvolvido por eles preza, primeiro, por ser de ótima qualidade e, ainda assim, “gratuito”. Por que as aspas? Porque eles ganham dinheiro, ganham muito, mas, sem extorquir o usuário. Eles encarnam o sucesso da colaboração e da interatividade.
    Quanto ao uso pedagógico, praticamente todas as produtoras famosas de software, tem licenças educacionais, que, geralmente, custam 10% de uma licença normal. Bonzinhos? Não! Querem divulgar seus softwares em âmbito educacional para que, escravizados e viciados, alunos não consigam mais migrar para outras plataformas. Mas, ao mesmo tempo, oferecem alta qualidade, a baixo custo. E aí? O que fica disso tudo?

    • Marcinho Lima disse:

      Fernando, ótimas considerações – sempre pertinentes.

      Acredito que é inquestionável a qualidade dos softwares pagos, o que não os isenta de “eventuais” problemas de estabilidade e segurança. Os Livres carecem sim de constante aprimoramento – isso é fato! E também não são infalíveis. Consigo perceber esforços nesse sentido, por exemplo: o BR-Office já adequou-se – em boa parte – às novas regras da ortografia brasileira.

      Entretanto, colocando lenha na fogueira: nos recursos básicos para o usuário final, os software livres deixam de oferecer algum recurso? Ou ainda: o usuário final utiliza “todos” os recursos oferecidos pelo MS-Word, por exemplo? Ou se atêm às tarefas corriqueiras de edição? Acontece que vivemos o paradigma do mercado dominado pela indústria de softwares, que cria uma “unanimidade” – geralmente explorada ilegalmente em nosso Brasil. Adoraria poder trabalhar com mais liberdade com o software proprietário, entretanto me deparo com a questão da autonomia: “Será que o usuário – o qual eu tento ajudar – teria a necessária liberdade para poder seguir seu caminho tendo de pagar para usufruir dos recursos digitais?”. Dilema pesado, que só o software livre me auxilia a resolver – dada as suas prerrogativas de livre execução, abertura para estudo e melhoria, redistribuição sem restrições.

      Tentando encaminhar suas questões, penso:
      1. Windows não é Linux (e vice-versa)! Isso é obvio? Pode até ser, mas dificilmente os dois sistemas serão “muitíssimo próximos”. São paradigmas de desenvolvimento diferentes, filosofias completamente diferentes, propósitos “mercadológicos” diferentes… Não vejo como aproximá-los, nesse sentido.
      2. Usar Microsoft (e outras tantas ótimas) como plataforma para ensino-aprendizagem: ótimo!! Desde que não seja subjulgada a liberdade do usuário em poder usar aquilo que lhe for conveniente.

      Concluindo: o caminho é utilizar aquilo que for adequado às necessidades, dentro da legalidade (não podemos fazer educação sem ética) e sem constrangimento ao usuário. A tecnologia é meio e não o fim do processo.

      Sei que você, como ótimo educador que é, entende tudo isso. Temos um longo caminho para trilhar… Além de complexo, Educação é ousadia e superação de desafios… temos muitos pela frente. Obrigado pela visita, comentários e contribuições (gostaria de ter mais parceiros assim!!)

      • fernandolvieira disse:

        Grande Marcinho!
        Desculpa a demora, mas, vamos lá…

        Quanto à utilização dos recursos de softwares pagos e livres.
        Acredito que um software deve ser completo(de completude). O software ele deve oferecer dos recursos básicos aos avançados, cada um que use aquilo que lhe caiba. E outra, será que as pessoas usam funções limitadas por não precisarem ou por desconhecerem? Essa questão do usuário utilizar software proprietário ou não é importante. Esta sim é uma boa justificativa para o uso do software livre. Mas, acredito que é uma justificativa embasada na questão econômica e não na questão qualitativa. Seria mais ou menos isso:”Enquanto os brasileiros não tiverem grana pra comprar softwares realmente bons, quebramos o galho com os livres.” E isso é muito duro. O software livre evolui. Mas evolui a passos lentos. Esta questão da colaboração é interessantíssima, mas, imagine, se estamos discutindo sobre usuários que não utilizam recursos do Word ao máximo, quando, estes mesmos usuários, poderão contribuir para a evolução real, expressiva e significativa dos softwares livre? Creio que isso só acontecerá, realmente, quando os governos abraçarem esta idéia de forma profissional.
        A produção de um software proprietário passa por equipes e mais equipes, cada uma, especialista em sua área. E, ainda assim, existem falhas. Essa relação do software livre poder ser alterado por qualquer um limita o poder de padronização. E padronização é o que o usuário quer. Ele quer chegar em casa, no trabalho, na escola e na lan house e encontrar os mesmos programas, com os mesmos ícones e utilizá-los como ele sempre usou.

        Sobre as questões:

        1. Windows não é linux. Um é melhor que o outro em pontos específicos, mas, no geral, os dois são sistemas operacionais e devem atender ao que este tipo de software se propõe.

        2. A plataforma a ser utilizada não deve ter nome. Deve simplesmente ser a que mais aproxima o usuário do que ele encontrará em qualquer lugar. Outras plataformas são extremamente válidas, mas, depois de conhecer o padrão.

        Concluindo: acredito que os softwares proprietários são subutilizados e caros, mas isso são problemas de ordem educacional e econômica. O software livre precisa de um caminho organizado pra trilhar, evoluir em meio ao caos não traz retorno. Esta é uma discussão pra dias… Eu acho que, hoje, a solução mais válida seria uma forma de baratear o software proprietário ou promover esta evolução organizada do software livre, a ponto do software livre se tornar padrão e conseguir fazer com que o preço do software proprietário caia em função do seu crescimento.

        Quem vai liderar esta guerra?

      • Marcinho Lima disse:

        Olá Fernando, ótimo debate.

        Compreendo seu posicionamento, também acredito que subutilização de recursos pode estar associada à falta de conhecimento. Entretanto, o contexto de desenvolvimento do SL melhorou significativamente. Veja o Ubuntu! Fantástica a rede de desenvolvimento e distibuição. Estou rodando o novíssimo Ubuntu 10.04 no Notebook (que levo para as aulas na UFVJM), sinceramente: excelente muito útil, está muito mais fácil de usar, bonito e juridicamente legal. Recebi, gratuitamente, alguns CDs e vou distribuí-los ao grupo de estudos e alguns alunos – sem infringir a lei. Isso não é fantástico?

        Pense na situação do convênio com a Microsoft ai na sua Escola. Vocês são proibidos de conhecer o Apache, que já atingiu um nível de sofisticação superior ao melhor concorrente pago já há muito tempo!! Isso é um absurdo do ponto de vista educacional. Reitero: não sei se por imposição do convênio ou dos gestores. Independente disso: continua o absurdo. Na esfera pública não tem mais jeito: existem determinações que “incentivam” ou uso de SL. O que resta saber é se quem está na ponta de cima da hierarquia vai dar exemplo… isso é outra história.

        A rede de colaboração cresce com a WEB e relembro que o início da microinformática começou com essa perspectiva de liberdade ao acesso à informação e recursos. Não condeno o pagamento de valores, acredito que todos devem de alguma forma receber pelos seus esforços. Convergimos também na questão do valor pago, que poderia ser mais baixo. Apesar que o licenciamento educacional seja interessante… embora um pouco restritivo.

        Abraços, valeu mesmo pelos seus comentários!

  2. Fernando disse:

    Ah, esqueci do mais importante!
    Parabéns pelo projeto! Levar à luz onde existem trevas. Não, não é bíblico. É pedagógico mesmo. Isto é ser professor.
    Você tem muita sorte por encontrar seus desafios! E seus desafios tem mais sorte ainda, por encontrar você.
    Força na luta!
    Abraços

  3. fernandolvieira disse:

    http://g1.globo.com/platb/rosanajatoba/

    Dá uma olhada Marcinho!

    • Marcinho Lima disse:

      Fernando, agradeço o link. Apesar do texto ser longo, é muito apropriado. Tenho lido a respeito de Licenciamento CREATIVE COMMONS… uma alternativa para nossa época.

      Controvérsias a parte, a pirataria toma lugar de destaque nas rodas de debate. Enquanto as leis (e os preços) não se adaptam ao nosso cotidiano, vamos acompanhando esses desdobramentos. Alguns bastante interessantes, como o de BH citado pela Rosana Jatobá (até rimou).

      Um Abraço!

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